quarta-feira, 27 de julho de 2011

NÃO É POETA QUEM QUER...

- […] Então você […] que passa a vida a traduzir livros não podia também escrever um?
- Era preciso que tivesse talento para isso. […] eu sei que todos os dias aparecem por aí novos escritores, ou quanto mais não seja candidatos a escritores, mas, para ser franco, duvido muito da qualidade da esmagadora maioria deles… […] Sabe, […] para se ser escritor é preciso possuir talento, disponibilidade mental, espírito de sacrifício, cultura literária, e… boas histórias para contar. Porque ao contrário do que dizem [as pessoas], as suas vidas não dariam qualquer romance, talvez nem uma página. E há outro elemento, muito importante, que […] não referi: para se escrever um livro […] é preciso que o autor tenha também mundividência. Ora o que mais vemos por aí é gente sem mundo, sem conhecimento de coisa nenhuma ou de muito pouco, a escrever livros com a mesma facilidade de quem escreve mensagens para os amigos nas redes sociais.

[…] nas últimas décadas o populus deitou-se a escrever, ciente de que as balbúcias do ego são uma expressão de arte; que dos espasmos da bebedeira, da anorexia nervosa, do incesto, do amor aos cães, da ecologia – de tudo, afinal, mesmo os espíritos mais simples podem tirar um livro […]. E os editores editam, […] o populus admira-se e regozija-se consigo próprio.

José Manuel Saraiva foi o último convidado de “à conversa com…”. O primeiro extracto pertence ao seu livro “A Terra Toda”. Depois de ouvir o autor, é lícito concluir que a obra tem pelo menos alguma coisa de autobiográfico. J. Rentes de Carvalho será o próximo convidado da tertúlia. O segundo extracto pertence ao seu livro “Tempo Contado”, um diário onde, entre 15 de Maio de 1994 - dia que marca o início do último ano da sua meia-idade - e 15 de Maio de 1995, anota «os casos do dia». Vá lá saber-se porquê, ao deparar-me com estas linhas não consegui deixar de pensar que ambos estavam a falar de um ou dois figurões que em tempos passaram também por cá. Por mais que force a memória não consigo que a ela assome um nome sequer mas tenho quase a certeza que era deles que falavam.

carlos ponte